sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

AMOR E MORTE - De Catulo a John Donne


AULA INAUGURAL 2013
REDAÇÃO / Professora LUCIANA
 
            Meus caros alunos,
 
Com muito entusiasmo inauguro o curso de Redação 2013 do Liceu de Artes e Ofício de São Paulo propondo-lhes uma reflexão em torno de duas tópicas - temas recorrentes na arte de todos os tempos: o amor e a morte.
A morte, esse assunto pouco usual para o começo de um ano letivo, está aqui em razão dos acontecimentos recentes que chocaram toda a população do Brasil, em Santa Maria, RS. Diante da dor do outro temos que nos colocar sempre. Mas que cada notícia dada, cada reflexão feita sobre essa dor seja para solidarizar primeiro e transformar logo em seguida. De nada adianta a noticia sobre uma tragédia que não traga em si o germe para a mudança e a prevenção. Ao longo do ano, em nosso curso sobre a prática da leitura e da escrita, gradativamente vamos preparar vocês para que sejam capazes de se posicionar diante do que for, no dia a dia, como pessoa consciente e atuante do seu papel cidadão, sabendo ler, compreender e intervir por meio da palavra, essa poderosa arma.
A outra tópica, sobre o amor, é necessária pelas razões óbvias. Bem pouco na vida se faz sem ele. É o melhor remédio contra a dor, principalmente a da morte. É o nosso combustível diário, a força que move o nosso desejo e alimenta a nossa vontade. E é sempre muito estimulante, e catalizador de potencialidades, iniciar qualquer coisa que seja em nome dele, do amor.
Posto isso, vamos aos textos e seus autores:
 


 I. John Donne é um dos maiores poetas de língua inglesa que conheço. Incompreendido na sua época, o século XVII, foi esquecido por muito tempo, mas é hoje reverenciado e lido em todo o mundo. Sua obra serviu de inspiração para muitos outros poetas além da sua época. Foi a partir do texto de John Donne, selecionado abaixo, que o escritor norte-americano Ernest Hemingway encontrou inspiração para o título do seu romance “Por Quem os Sinos Dobram”. Também a FUVEST já explorou no seu vestibular o mote, destacado do texto de Donne, “Nenhum homem é uma ilha”.


POR QUEM OS SINOS DOBRAM?
Nunc lento sonitu dicunt, morieri (*)
“Talvez aquele para quem estes sinos dobram esteja tão mal que ele sequer sabe que dobram por ele. E talvez eu possa me achar muito melhor do que sou, como fazem aqueles que me rodeiam, e ao ver o meu estado podem tê-lo feito dobrar por mim, e eu nem saiba disso. (...) E quando a Igreja enterra um homem, esta ação também me diz respeito; toda a humanidade provém de um autor, e forma um único livro; quando um homem morre, um capítulo não é arrancado do livro mas traduzido para uma linguagem melhor, e cada capítulo deve ser assim traduzido; Deus emprega inúmeros tradutores; algumas peças são traduzidas pela idade, algumas pela doença, algumas pela guerra, algumas pela justiça, mas a mão de Deus está em cada tradução, e sua mão reunirá outra vez todas as nossas folhas espalhadas formando a biblioteca onde cada livro deverá permanecer aberto aos outros, da mesma maneira que, quando o sino toca chamando para o sermão, não chama apenas o pregador, mas também toda a congregação; nos chama a todos, e ainda mais a mim, a quem a doença pôs às portas da morte.
Houve uma disputa e mesmo um processo (onde se misturaram piedade e dignidade, religião e opinião) sobre qual ordem religiosa deveria tocar primeiro chamando para as orações no início da manhã, e foi determinado que tocaria primeiro aquela que acordou mais cedo. Se entendermos bem a dignidade deste sino, dessas badaladas para a nossa oração da noite, ficaríamos felizes tornando-as nossas, madrugando, nessa aplicação, que poderia ser nossa e também sua, como de fato é. O sino toca por ele, e pelas coisas que fez; e embora intermitente, ainda nesse minuto, como no momento em que tocou sobre ele, ele já está unido a Deus. Quem não levanta seu olhar para o sol quando ele nasce? Quem tira o olho de um cometa quando irrompe no céu? Quem não presta ouvidos ao badalar de um sino, qualquer que seja o motivo dessas badaladas? Mas quem de nós pode distraí-los daquele sino no momento em que um pedaço de nós mesmos está passando para fora deste mundo?
Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido um promontório, ou perdido a morada de um amigo teu, ou a tua própria morada. A morte de qualquer homem me deixa diminuído, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes perguntar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”                 
(Tradução de José Carlos Ruy)              
Nota do tradutor: (*) Os sinos tocam suavemente por alguém. E me dizem: você também vai morrer
 
 
II.

Catulo, poeta romano que viveu entre os anos de 84 e 54 antes de Cristo, apresenta uma obra poética marcada pela sofisticação e irreverência. Dono de uma sintaxe chamada de incomum, utilizava frases cortadas, repetições e versos ligeiros; utilizava, ainda no âmbito da linguagem, expressões e palavras coloquiais. Sua tradição literária está ligada aos poetas alexandrinos, em que relatava, nesse tipo de versos, seus sentimentos pessoais. Com uma poesia de amor elegante e sincera, ele foi o iniciador da lírica erótica em Roma. Sua obra é composta, ainda, de mais de cem poemas, em que uma grande parte foi dedicada à paixão que sentia por Lésbia, mulher a quem seu coração pertencia.

 

 

 

 

 

CATULO (85 a.C. – 54 a.C.),Vivamos, minha Lésbia, e amemos”

 

“Vivamos, minha Lésbia, e amemos

e as graves vozes velhas

- todas –

valham para nós menos que um vintém.

Os sóis podem morrer e renascer;

Mas nós, quando se apaga nosso fogo breve

dormimos uma noite infinita.

Dá-me pois mil beijos, e mais cem,

e mil, e cem, e mil, e mil e cem.

Quando somarmos muitas vezes mil

misturaremos tudo até perder a conta:

que a inveja não ponha o olho de agouro

no assombro de uma tal soma de beijos.”

(Tradução de Haroldo de Campos)