Na fresta do guarda-comida
entreaberto penetra sua mão, como um amante através da noite. Quando então, na
escuridão, ela se sente em casa, tateia em busca de açúcar ou amêndoas, de uvas
passas ou frutas em
conserva. E assim como o amante, antes de beijá-la, abraça
sua amada, assim o tato tem com eles um encontro marcado, antes que a boca
prove sua doçura. Como se entrega o mel, como se entregam os cachos de passas
de Corinto, como até mesmo o arroz se entrega lisonjeiramente à mão. Que apaixonado
esse encontro dos dois, que agora enfim escaparam da colher. Grata e selvagem,
como uma moça que foi raptada da casa dos pais, a compota de morango se dá a
saborear aqui sem pãezinhos e, por assim dizer, sob o livre céu de Deus, e até
mesmo a manteiga responde com ternura à ousadia de seu conquistador, que
penetrou de assalto em seu quarto de donzela. A mão, Don Juan juvenil, logo penetrou em todas as celas e aposentos,
deixando para trás camadas que escorrem e massas que fluem: donzelice que se renova
sem queixa.
O trecho acima é do livro Rua de Mão Única, de Walter Benjamim.
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